O retrato de um péssimo Escotista

Artigos de Baden-Powell para a revista " The Scouter ", 1909 - 1941
traduzidos por: Capitão Anilto de Ribeirão Pires/SP. 


Tradução


O retrato de um péssimo Escotista

Eu me lembro de ter visto uma vez, em uma galeria pública no Continente, um quadro que atraía uma grande multidão a seu redor, que de vez em quando soltavam exclamações como "Vergonha", "Bruto!", e cosias desse tipo. Eu não creio ter visto alguma vez uma pintura que tivesse um efeito desses em quem o olhava.
O assunto do quadro era um exército de infantaria marchando ao longo de uma estrada quente e ensolarada. Um homem tinha caído morto ao lado da estrada, seus camaradas o olhavam com variadas expressões de piedade, um deles estava colocando algumas flores em seu peito, enquanto um oficial passava por ele a passo largo, impassível.
Isso era tudo. Mas, naquela época, havia um grande clamor contra os oficiais por causa do grande número de mortes por insolação, que estavam ocorrendo entre os jovens soldados nas manobras. O sentimento era tão forte que em numerosos casos os oficiais eram apedrejados pelos moradores das vilas quando passavam. E eu, mesmo sendo um oficial, não podia solidarizar-me com eles nesse sentimento, pois as mortes eram em grande parte, resultado de erros nas atividades.
Erros em dois sentidos. Em primeiro lugar, os oficiais daquele tempo – nós estamos falando de muitos anos atrás, lembre-se disso – eram péssimos em interpretação de mapas: eles partiam muito cedo, ao amanhecer, com suas tropas, para seu destino, antes da chegada do calor do dia, mas sem o conhecimento da localidade e a pobre habilidade em leitura de mapas, e acabavam ao meio dia ainda vagando perdidos com seus homens sobre a localidade, lutando contra um sol impiedoso.
Estes eram péssimos escotistas nesse sentido, e em outro também porque não viam até que ponto seus homens estavam sofrendo até que fosse muito tarde. Eles marchavam à frente de sua tropa, tentando achar seu caminho, conduzindo-os em um passo apressado, desonerados de muitos equipamentos, e ansiosos para voltar para casa, enquanto seus recrutas lutavam para acompanhar seus passos, sobrecarregados com seus pesados equipamentos, humilhados, fatigados e exauridos, literalmente, até a morte. As coisas agora são diferentes naquele exército, mas fico aflito por achar que há um sinal aqui e acolá em nosso Movimento semelhantes a essas péssimas práticas, em menor escala. Alguns jovens Chefes Escoteiros, no seu entusiasmo, tem imposto a seus jovens tarefas de resistências além de seus limites, em forma de longas marchas ou expedições de longa distância. Felizmente apenas um ou dois casos ocorreram, mas eu me aventuro a dar esta sugestão na esperança que outros, que possam estar planejando tais expedições, parem e reconsiderem.
Eu sei que é muito tentador quando você tem uma tropa inteligente de jovens bem treinados, espertos, atléticos, seguir adiante e fazer grandes coisas com eles – e eles estão ansiosos por isto.
Mas isto conduz à competição para bater recordes, e para a estafa, que pode prejudicar pouca a cabeça do jovem bem formado, mas pode ser fatal, podo riscos de doenças cardíacas, ligamentos estressados, dificuldades pulmonares, etc., no rapaz cujos órgãos e músculos são imaturos e em processo de formação. O mal pode não mostrar sinais de imediato, nem mesmo a um bom Chefe Escoteiro acostumado a ler sinais abaixo da superfície. A grande jogada é evitar tais riscos, nunca expondo seus jovens aos limites de sua resistência.
Um pai me escreveu no ano passado, muito orgulhosamente, da realização de seu filho Escoteiro, que fez um grande percurso de bicicleta um espaço curto de horas. Temo que escrevi de forma um tanto rude em resposta: o que ele conseguiu de mim foi uma repreensão. Ao mesmo tempo fico com a consciência tranqüila, pois sei dos perigos de tais feitos para a saúde futura do jovem.
Não há nenhuma utilidade colocar à prova os limites de resistência de criaturas imaturas. O objetivo para nós que estamos treinando futuros homens de nossa raça é construir neles uma base boa, órgãos sãos e corpos saudáveis, encorajando o consumo de comida nutritiva e prática de exercícios bem planejados e moderados. Isto os permitirá a resistência quando forem homens, em vez de demoli-los enquanto ainda estão no período crítico – a fase de crescimento.
Me foi sugerido que um regulamento proibindo tais testes de resistência deveria ser feito, mas eu detesto regulamentos. Tenho certeza que Chefes Escoteiros mais experientes em tudo concordam nesta clara, mas não menos importante verdade sobre testes de resistência. O que espero é que eles possam convencer disto quando aconselharem seus companheiros Chefes Escoteiros mais jovens.

Setembro de 1913

*Nota desse site: Grifamos dessa maneira para ressaltar uma das idéias do fundador.



Original


A Picture of Bad Scouting

I REMEMBER once seeing a picture in a public gallery on the Continent which attracted a great crowd of people round it, and so excited them that one heard frequent ejaculations from them such as "Shame!", "The brutes!", and so on. I don't think I have ever seen another picture have so direct an effect on those looking at it.
The subject was a regiment of infantry marching along a hot, sunny road. One man had fallen dead by the way-side, his comrades were glancing at him with varying expressions of pity as they passed, one of them was placing a few flowers on his breast, while an officer strode by apparently unmoved.
That was all: but just at that time there was a great outcry against the officers of the army of that country because of the large number of deaths from sunstroke which were occurring among the young soldiers at manoeuvres. The feeling was so strong that in numerous cases officers were stoned by the villagers as they passed. And, though an officer myself, I could not help sympathising with the feeling against them -- because the deaths were largely the outcome of bad scouting.
Bad scouting in two senses. In the first place, the officers at that time -- I am speaking of a good many years ago, mind you -- were very bad at map-reading: they would start out at early dawn with their troops to get to their destination before the heat of the day came on, but with no bump of locality and poor ability in reading maps they were, at high noon, still wandering about the country, utterly lost, with their men played out, struggling along under a pitiless sun.
That was bad scouting in one sense, and they were also bad scouts in that they did not see to what extent their men were suffering until it was too late. They themselves marched at the head, trying to find their way -- leading on at a hurried pace, unencumbered with much kit, and anxious to get home, while their young recruits struggled along behind them, loaded up with heavy accoutrements, crowded together in the dust, fagged and tired, literally, to death. Things are different now in that army, but I am grieved to find that there is a sign here and there in our own Movement of somewhat similar bad scouting on a minor scale.
Some young Scoutmasters, from over-keenness, have been putting their boys to tasks of endurance that are really beyond them in the way of long marches or long-distance dispatch rides. Fortunately, only one or two cases have occurred, but I venture to give this hint in the hope that it will make others, who may be contemplating such expeditions, pause and consider.
I know it is very tempting, when you have got a smart Troop of well-trained, keen, athletic boys, to go ahead and do a big thing with them -- and the boys themselves are eager for it. But it leads to competition, to making "records," and to over-exertion, which may do little harm to the well-formed young man at the head, but may be fatal in laying seeds of heart disease, strained ligaments, lung troubles, etc., in the lad whose organs and muscles are immature and only now forming themselves. The evil may show no sign at the time even to a Scoutmaster who is a good Scout and reads signs below the surface. The great thing is to avoid the risk of it by never calling on the boys to exert themselves to their full extent of endurance.
A father wrote to me last year, very proudly, of the achievement of himself and his Scout son in doing a great bicycle ride within a short space of hours. I am afraid I wrote rather rudely in reply, which drew on me a rebuke from him. At the same time I remain unrepentant, because I know the danger of such feats to the ultimate health of the boy.
It is no use to put immature creatures to tests of their powers of endurance. The thing for us who are training the future men of our race is to build up in them the foundation of good, sound organs and healthy bodies by encouraging the use of nourishing food and well-designed moderate exercise. This will enable them to endure when they come to be men, instead of breaking them down while they are still in the critical period -- the growing stage.
It has been suggested to me that a Regulation should be made forbidding such tests of endurance, but for our brotherhood I hate "Regulations." I am certain that the more experienced Scoutmasters all agree with me in this very plain but none the less important truth about endurance tests. What I hope is that they will impress it when giving advice to their younger fellow-Scoutmasters.
August, 1913.